quinta-feira, 1 de abril de 2010

Pscicologia de um vencido



Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.


Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.


Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,


Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

                                                    ( Augusto dos Anjos)

7 comentários:

  1. A poesia de Augusto dos Anjos – paraibano nascido no século passado – é de um materialismo quase brutal, embora seja no fundo, obra de um idealista, que não detestava – em absoluto – o amor, mas queria-o em seu estado impossível, espiritual, etéreo. Ledo engano de quem tomar o poeta materialista em filosofia como um materialista nos sentimentos. Augusto, bardo incomum, estranho, magérrimo, era todo humanidade: leal, cortês, honesto, coisas raras de encontrar naqueles tempos e ainda hoje. Mas foi também poeta da morbidade, da descrença, da morte.

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  2. Augusto dos Anjos publicou um único e afortunado livro, Eu, obra em que cantou a matéria, idealizando-a, revelando-a sob uma rutilante (e até rosnante) combinação de palavras por vocábulos esdrúxulos e cientificistas que concorreram para agravar o seu pessimismo lacerante. Cantou, como Baudelaire, as misérias da carne, a putrefação dos corpos, monista violento:

    já o verme – este operário das ruínas
    -
    Que o sangue podre das carnificinas
    Come, e à vida em geral declara guerra,
    Anda a espreitar meus olhos para
    roê-los,
    E há de deixar-me apenas os cabelos,
    Na frialdade inorgânica da terra!

    (“Psicologia de um Vencido”)

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  3. Na opinião de Alfredo Bosi, Augusto dos Anjos deve ser visto como um poeta poderoso, que deve ser mensurado por um critério estético aberto, capaz de abrigar e reconhecer, além do “mau gosto” do vocabulário rebuscando e científico a dimensão cósmica e a angústia moral de sua poesia. Bosi avalia que a dimensão cósmica vem em primeiro lugar, porque Augusto dos Anjos centrava no ser humano, de maneira obsedante, todas as energias do universo que teriam se encaminhado para a construção do mistério que é o “eu”.

    Ademais, o evolucionismo de Augusto expressa-se bem em versos como esse: de “Psicologia de um Vencido”.
    "Eu, filho do carbono e do amoníaco"

    (http://www.artelivre.net/html/literatura
    /al_literatura_augusto_dos_anjos.htm)

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  4. Poeta maravilhoso!

    'Acostuma-te à lama que te espera!
    O homem que, nesta terra miserável,
    Mora entre feras, sente inevitável
    Necessidade de também ser fera.'

    Nada mais verdadeiro.
    Um grande abraço.

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  5. Oi, Sarah, depois vc poderia deixar a referência das imagens que vc usa para ilustrar as postagens? Gostei muito delas. Um beijo.

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  6. Uma das primeiras coisas que me lembro de ti é você recitando essa poesia pra mim... ^^

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  7. Oh amor!!!isso é verdade, me lembro também...
    Je t'aime.

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